sábado, 31 de dezembro de 2016

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Após 18 anos da explosão em SAJ, familiares de vítimas ainda lutam por justiça

Após 18 anos da explosão em SAJ, familiares de vítimas ainda lutam por justiça



Quase 18 anos depois da explosão que matou 64 pessoas em uma fábrica clandestina de fogos, em Santo Antônio de Jesus (a 192,7 km de Salvador), embora condenados, os cinco responsáveis pela exploração dos trabalhadores não foram presos, nem as famílias das vítimas foram indenizadas.
Há poucos dias do São João, os integrantes do Movimento 11 de Dezembro – data alusiva que homenageia as vítimas do acidente ocorrido em 1998 – denunciam que a produção clandestina continua, às escondidas, dentro das casas.
Quem perdeu parte da família na explosão até hoje luta contra a impunidade dos responsáveis pelas mortes, cobra a indenização imposta pela Justiça ao Estado e à União (R$ 100 mil por vítima) e tenta conscientizar a população sobre os riscos da fabricação ilegal.
O caso chegou a ganhar repercussão internacional, o que fez a União virar ré em ação na Organização dos Estados Americanos, em 2001, quando a Comissão Interamericana de Direitos Humanos acolheu denúncia por “descaso e omissão” feita pelo Movimento.

Impunidade


Com lágrimas nos olhos, a presidente do Movimento, Maria Balbina dos Santos, 55, conhecida como Dolores, fala sobre a dor de ver o tempo passar sem que tenha sido feita justiça pela morte da única filha, Arlete Silva Santos, aos 14 anos, na fazenda de Osvaldo Prazeres Bastos.
“Entra governo, sai governo, mas nada é feito. Os assassinos de minha filha têm dinheiro, não têm medo da Justiça. Metade das pessoas do movimento, que perderam familiares, já morreu sem que uma providência fosse tomada”, chorou.
Assim como ela, a dona de casa Maria Santos Rocha, 63 anos, perdeu as filhas Fabiana, 14, Adriana, 15, e Mônica Santos Rocha, 22 anos, que deixou dois filhos. “Enterrei uma de minhas meninas sem a cabeça e, até hoje, ninguém pagou por isso”, disse, bastante emocionada.
Ambas, como a maioria das famílias das vítimas, compartilham histórias de pobreza, ignorância e ingenuidade, quando questionadas sobre os motivos pelos quais permitiram que as filhas trabalhassem no galpão para ganhar R$ 0,50 por cada mil traques de massa produzidos.
“Eu também trabalhava na produção. No dia da explosão, fazia faxina. Se imaginasse o perigo, jamais teria deixado ela ir”, arrepende-se Dolores. “Após a morte dela, para sobreviver à depressão, tive que adotar uma criança”.
Julgado em 2010, o dono da fábrica, “Vardo dos Fogos”, como é conhecido Osvaldo, foi condenado a nove anos de prisão, por ter mais de 70 anos, na época. E, seus quatro filhos pegaram pena de 10 anos e 6 meses, cada: Mário Fróes Prazeres Bastos, Ana Cláudia Almeida Reis Bastos, Helenice Fróes Bastos Lyrio e Adriana Fróes Bastos de Cerqueira. Todos livres, apelaram ao Supremo Tribunal Federal, onde o processo está “sob segredo de Justiça”.
Três réus foram absolvidos por não terem tido participação direta nas mortes, avaliou a justiça baiana: Berenice Prazeres Bastos da Silva, membro da família, mais os ex-funcionários Raimundo da Conceição Alves e Elísio Santana Brito.
Pároco da Paróquia de São Benedito, o padre Manoel Matos conta que 35 crianças perderam as mães na explosão. Por conta disso, o então padre Luís Canal arrecadou fundos em Belluno (ITA), sua cidade natal, para construir uma creche para os órfãos, que ficou pronta em 2001.
A entidade onde Dolores trabalha foi batizada como Centro Comunitário 11 de dezembro. Ampliou o atendimento às demais crianças do bairro Irmã Dulce, e hoje tem 92 alunos, sendo mantida com recursos do Ministério da Educação e das obras sociais da paróquia.
“Essa obra nasceu em função de um capítulo que nunca se apagará na história da cidade”, lembrou. “Agora, o Estado e a União  precisam se sensibilizar para amenizar o sofrimento dessas famílias, nem que seja para chegar a um acordo parcelado”, sugeriu o religioso.

Processo
Por meio da assessoria de comunicação, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) informou que três réus foram acionados judicialmente em relação às mortes: a prefeitura de Santo Antônio de Jesus, o Estado e a União.
A PGE informou que a Justiça Federal teria pedido o desmembramento da ação conjunta, no sentido de dar maior celeridade aos 42 processos dos familiares das vítimas. A PGE informa que o Estado é sensível à causa, mas acredita ser parte ilegítima no processo.
Ainda conforme as informações da PGE, o acidente teria ocorrido por conta da conduta irresponsável do município e da União, diante o que  estabelece a lei, no que tange à fiscalização de produtos controlados.
Segundo os integrantes do Movimento 11 de Dezembro,  apenas o Exército Brasileiro teria fornecido auxílio aos filhos das vítimas, que receberam pensões no valor de um salário mínimo até completarem 18 anos.
Responsável pela fiscalização na Bahia, a 6ª Região Militar do Exército informou, por nota, que “vem intensificando as operações de fiscalização, realizando ações de inteligência e reconhecimento de possíveis locais de extravios de explosivos”. Afirmam, ainda, que os processos administrativos com indícios de desvios dos produtos controlados são enviados ao Ministério Público da Bahia.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Charles Aznavour chante Ave Maria - 2004

Goleiro Danilo morre após ter sido resgatado, diz Cruz Vermelha

29/11/2016 10h07 - Atualizado em 29/11/2016 14h27

Goleiro Danilo morre após ter sido resgatado, diz Cruz Vermelha

Acidente aconteceu na madrugada desta terça (29), na Colômbia. 
Goleiro chegou a ser resgatado com vida, mas não resistiu.

Adriana JustiDo G1 PR, com informações da RPC Paranavaí
O goleiro Danilo (Marcos Danilo Padilha), da Chapecoense, durante jogo da semifinal da Copa Sulamericana contra o San Lorenzo em Buenos Aires, no dia 2 de novembro. A Cruz Vermelha confirmou que ele não sobreviveu após ter sido socorrido no acidente (Foto: Juan Mabromata/AFP)O goleiro Danilo (Marcos Danilo Padilha), da Chapecoense, durante jogo da semifinal da Copa Sulamericana contra o San Lorenzo em Buenos Aires, no dia 2 de novembro (Foto: Juan Mabromata/AFP)
O goleiro da Chapecoense Danilo, de 31 anos, que chegou a ser resgatado e socorrido após a queda de um avião na Colômbia, na madrugada desta terça-feira (29), não resistiu aos ferimentos e morreu, segundo a Cruz Vermelha e a empresa de logística que estava em contato com o clube catarinense. O avião transportava a delegação da Chapecoense para Medellín, na Colômbia, onde disputaria a final da Copa Sul-Americana.
A aeronave da LaMia, matrícula CP2933, levaria 81 pessoas. No entanto, a lista inclui quatro que não embarcaram e estão vivos. Não há confirmação se outras pessoas viajaram no lugar deles. Segundo as autoridades colombianas, há mais de 70 mortos e seis sobreviventes. O avião decolou de Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia.
Polícia de Antioquia divulga fotos da operação de resgate entre os destroços do avião, que envolve policiais, bombeiros e unidade de emergências (Foto: Reprodução/Twitter/Departamento de Polícia de Antioquia)Polícia de Antioquia divulga fotos da operação de resgate entre os destroços do avião, que envolve policiais, bombeiros e unidade de emergências (Foto: Reprodução/Twitter/Departamento de Polícia de Antioquia)
O pai do goleiro Danilo, Eunício Padilha, disse ao G1 que chegou a receber uma ligação durante a manhã que dizia que o filho estava bem. Pouco tempo depois, a família recebeu a informação da morte por notícias de televisão.
Meu coração está despedaçado. Estou sofrendo muito. É muito difícil. Eu jamais achei que eu fosse passar por esse momento."
Alaídes Padilha, mãe do goleiro Danilo
Às 10h15, havia grande concentração de vizinhos e amigos na casa da família, em Cianorte, no noroeste do Paraná. A mãe do goleiro, Alaídes Padilha, passou mal e foi atendida pelo Samu.
"Meu coração está despedaçado. Estou sofrendo muito. É muito difícil. Eu jamais achei que eu fosse passar por esse momento. Eu não consegui assimilar ainda. O desespero está muito grande. Não está sendo fácil porque é complicado. A gente não tem notícias concretas. Cada um passa uma notícia diferente a cada minuto", disse a mãe do goleiro.
Segundo a imprensa local, a aeronave com o time catarinense perdeu contato com a torre de controle às 22h15 (local, 1h15 de Brasília) e caiu ao se aproximar do Aeroporto José Maria Córdova, em Rionegro, perto de Medellín.
Os jogadores da equipe de Santa Catarina são os goleiros Danilo e Follmann; os laterais Gimenez, Dener, Alan Ruschel e Caramelo; os zagueiros: Marcelo, Filipe Machado, Thiego e Neto; os volantes: Josimar, Gil, Sérgio Manoel e Matheus Biteco; os meias Cleber Santana e Arthur Maia; e os atacantes: Kempes, Ananias, Lucas Gomes, Tiaguinho, Bruno Rangel e Canela.
Família de goleiro Danilo aguarda contato com o filho, em Cianorte, no Paraná  (Foto: Bruna Kobus/RPC)Família de goleiro Danilo mora em Cianorte, no Paraná (Foto: Bruna Kobus/RPC)
Trajetória do goleiro
Danilo foi para o Chapecoense em setembro de 2013, por empréstimo. Depois, fechou contrato de vez. É casado. Tem um filho.
No Paraná, Danilo também jogou nos seguintes times: Cianorte (2003-2005), Engenheiro Beltrão (2006), Cianorte (2006-2007), Nacional (2008), Paranavaí (2009), Operário Ferroviário (2009-2010), Arapongas (2010-2011) e Londrina (2011-2013).
O acidente
O Comitê de Operação de Emergência (COE) e a gerência do aeroporto informaram que a aeronave se declarou em emergência por falha técnica às 22h (local) entre as cidades de La Ceja e La Unión.
O diretor da Aeronáutica Civil da Colômbia, Alfredo Bocanegra, explicou à Rádio Nacional do país que, embora chovesse e houvesse neblina na região, o aeroporto de Rionegro estava operando normalmente. Segundo ele, aparentemente foram falhas elétricas que causaram o acidente. O piloto relatou problemas à torre de controle do aeroporto de Santa Cruz, na Bolívia.
Mais cedo, a imprensa colombiana chegou a cogitar como causa a falta de combustível, mas também informou que o piloto despejou combustível após perceber que o avião iria cair.
Uma operação de emergência foi ativada para atender ao acidente. A Força Aérea Colombiana dispôs helicópteros para ajudar em trabalhos de resgate, mas missões de voos foram abortadas nesta madrugada por causa das condições climáticas. Choveu muito na região na noite de segunda, o que reduziu muito a visibilidade.
Equipes chegaram ao local do acidente por terra, mas o acesso à região montanhosa é difícil e a remoção é lenta.
Final de campeonato
O time da Chapecoense embarcou para a Colômbia na noite de segunda (28), para disputar a primeira partida da final da Copa Sul-Americana, contra o Atlético Nacional, na quarta (30). Inicialmente, o voo iria diretamente de Guarulhos (SP) para Medellín, mas o voo foi vetado pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
Em razão do veto, a equipe tomou um voo comercial até a Bolívia e, de lá, o grupo pegou o voo da LaMia.
Em comunicado, o clube de Santa Catarina informou que espera pronunciamento oficial da autoridade aérea colombiana sobre o acidente.
Em seu perfil no Twitter, o Atlético Nacional lamentou o acidente e prestou solidariedade à Chapecoense: "Nacional lamenta profundamente e se solidariza com @chapecoensereal pelo acidente ocorrido e espera informação das autoridades".
O primeiro jogo da decisão, marcado para esta quarta-feira, foi cancelado, segundo a  Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol). A CBF adiou a final da Copa do Brasil, entre Grêmio e Atlético Mineiro, que também estava prevista para quarta-feira.
Arte local do acidente com avião que transportava a equipe da Chapecoense. (Foto: Editoria de Arte/G1)Arte local do acidente com avião que transportava a equipe da Chapecoense. (Foto: Editoria de Arte/G1)
Polícia de Antioquia divulga fotos da operação de resgate entre os destroços do avião, que envolve policiais, bombeiros e unidade de emergências (Foto: Reprodução/Twitter/Departamento de Polícia de Antioquia)Acidente aconteceu na Colômbia, na madrugada desta terça-feira (Foto: Reprodução/Twitter/Departamento de Polícia de Antioquia)

Como ocorre um ataque cardíaco?

Coração
1. Tudo começa com o acúmulo de gordura na parede interna das artérias coronárias, que têm apenas 2 milímetros de diâmetro e são responsáveis pela irrigação do coração. A formação das placas é um processo lento – pode levar anos -, causado principalmente pelo excesso de LDL, o colesterol “ruim”, no sangue
2. À medida que a placa de gordura aumenta de tamanho, o calibre interno da artéria fica mais estreito. Isso dificulta o fluxo do sangue, fazendo o músculo cardíaco funcionar a meia bomba. O esforço extra gera a dor no peito, um dos primeiros sintomas do infarto do miocárdio
3. A placa de gordura tem uma capa dura por fora, mas é mole por dentro. Como o sangue continua a passar mesmo com a placa, a superfície dura se rompe e libera a gordura. Em segundos, as plaquetas (células do sangue) aderem ao local para tapar o buraco
4. As plaquetas tapam o buraco formando um coágulo. Por ser muito volumoso, ele acaba entupindo a artéria e bloqueia a passagem do sangue, que é obrigado a fazer o caminho de volta. Resultado: a região do músculo cardíaco que receberia esse sangue deixa de ser irrigada
5. Sem oxigênio e nutrientes, a parte afetada começa a necrosar. Esse processo começa quando o fluxo sanguíneo é interrompido, e o estrago tem até seis horas para ser revertido. Se nada for feito, o coração bate descompassadamente ou pára de bombear sangue, podendo causar a morte
Haja coração! Outros tipos de infarto podem parar o músculo cardíaco mesmo sem a presença de gordura nas artérias
Espasmo
Ocorre quando as artérias coronárias se contraem violentamente, produzindo um déficit de sangue e interrompendo a irrigação do coração. Esse espasmo, que dura menos de um minuto, é causado por uma súbita liberação de adrenalina na corrente sanguínea. Os principais motivos para isso são o uso de drogas, como cocaína, estresse e até o recebimento de uma má notícia
Hemorragia
Um ataque cardíaco também pode ser causado pelo rompimento de uma das duas artérias coronárias responsáveis pelo suprimento de sangue ao coração. Pancada no peito, tiro ou outro tipo de trauma, bem como algumas doenças que fragilizam a estrutura das artérias, podem provocar essa ruptura. Ela causa uma hemorragia interna e deixa o músculo sem irrigação
Gordura viajante Além da artéria coronária, a placa de gordura pode se formar em outras partes do corpo, como na perna e no caminho para o cérebro
Trombose
Quando a placa de gordura se aloja na artéria femural, que leva o sangue para as pernas, a pessoa pode sentir dor durante a caminhada e sensação de frio na ponta dos pés. Se o problema não for tratado a tempo, pode levar à amputação da perna por gangrena
Derrame
A placa de gordura pode grudar em uma artéria do cérebro ou na carótida, vaso que fica no pescoço e que leva o sangue à cabeça. Isso pode levar a um acidente vascular cerebral (AVC), o popular derrame. Ele é causado pelo entupimento das artérias do cérebro por pedaços de gordura que se desprenderam da placa ou por coágulos que se deslocaram para lá

sábado, 26 de novembro de 2016

Doença rara, câncer no coração não costuma apresentar sintomas

Doença rara, câncer no coração não costuma apresentar sintomas

Exames simples podem identificar o problema, com boas chances de cura para o paciente


Carolina Samorano


— Cerca de um quinto das pessoas que morrem de câncer já tem algum tipo de comprometimento metastático no coração — afirma o cardiologista Ricardo Corso, do Hospital do Coração do Brasil em Brasília.
Os tumores de coração podem ser primários, quando a origem é no próprio tecido do coração, ou secundários, quando resultam de metástase de algum outro câncer pré-existente — caso mencionado pelo especialista.
— Mas o coração não é o alvo mais frequente de metástases. Pode acontecer em alguns casos em que a doença está mais avançada ou de alguns cânceres no rim e nos órgãos genitais, em que ele cresce pela veia cava — complementa Noedir Antônio Groppo Stolf, cirurgião cardiovascular do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo e professor emérito da Faculdade de Medicina da USP.
Diferentemente de outras cardiopatias, o tumor cardíaco não escolhe suas vítimas de acordo com a idade ou com os hábitos de vida.
— Os metastáticos ocorrem mais em idosos, mas os primários podem acometer qualquer pessoa, especialmente adultos jovens — constata Stolf.
O que não necessariamente é motivo de pânico: se o tumor for benigno e tiver localização fácil, como acontece na maioria dos casos, uma cirurgia quase sempre é suficiente para corrigir o problema sem deixar sequelas.
— O procedimento é curativo na maioria dos casos e uma recidiva não é comum. Se o tumor for maligno e recidir, às vezes, é necessário quimioterapia e radioterapia, mas o resultado não costuma ser bom — diz o especialista.
Os sintomas podem variar de falta de ar e perda da capacidade física até uma embolia ou um derrame, causados por um fragmento do tumor solto na circulação. Mas casos assintomáticos não são raros. O diagnóstico é feito por exames de imagem de rotina, pedidos normalmente em checapes, como o ecocardiograma e a tomografia.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Mutatio Libelli ou Emendatio Libelli



Ionilton Pereira do Vale



Conceito e exemplo prático de desclassificação: A palavra desclassificar, utilizada no Código de Processo penal Brasileiro, tem o sentido de mudar a classificação jurídica do crime, mudar a imputação inicial, operar uma mutatio ou emendatio libelli, que se opera e verifica por vários modos, quer por errônea classificação jurídica do Ministério Público na denúncia, quer por errônea avaliação dos fatos, quer por mudança dos fatos durante a instrução criminal.
Imaginemos o seguinte exemplo. Antonio dos Anzóis foi denunciado por tentativa de homicídio, por desferir várias facadas contra Francisco Nelson Fagundes. No transcorrer da instrução, o magistrado fica convencido que o animus de Antonio não foi o de matar (animus necandi), mas o de lesionar o inimigo (animus laedendi), tendo em vista que as testemunhas ouvidas na instrução criminal declararam que após ter ferido levemente a vítima, o acusado deixou o local sem desferir mais nenhum golpe, embora pudesse ter produzido na vítima o resultado morte. Neste caso, deve o magistrado desclassificar, isto é, mudar a tipificação jurídica dos fatos. Realizada esta primeira operação, deve o magistrado enviar os autos do processo ao juízo competente.
Procedimento e cautela do juiz na desclassificação do crime de competência do Tribunal do Júri: É necessário, no entanto, fazer algumas indagações: a) como o magistrado desclassifica a infração?; b) qual o juízo competente, agora para conhecer do processo?; c) Qual o procedimento a ser seguido no juízo que vai receber os autos do processo?
Respondendo a primeira pergunta, achamos que o juiz deve ser prudente e moderado ao desclassificar a infração penal que não é da competência do Tribunal do Júri, como ocorre com a sentença de pronúncia. E por uma questão muito simples. Imaginemos que ao chegar ao juízo competente, o juiz recipiente suscite um conflito negativo de competência e o Tribunal dê provimento a este conflito, declarando competente o Juiz-Presidente do Tribunal do Júri. Ou ainda, se o Ministério Público ou a defesa, interpuserem um recurso em sentido estrito, ensejando a retratação do próprio juiz ou a reforma do tribunal. É conveniente que o juiz use a mesma linguagem moderada e prudente da decisão da pronúncia. Em segundo lugar, o magistrado, deve ter muito cuidado ao desclassificar uma infração da competência do Tribunal do Júri, de modo a não privar o acusado do seu juiz natural nos crimes contra a vida. –.(STJ, 5.ᵃ T., REsp 249.604/SP, rel. Min. Felix Fischer, j. 24/09/2002, DJ 21/10/2002). Com efeito, é muito tênue a linha que separa o homicídio teleológico, do latrocínio, da tentativa de homicídio das lesões corporais, do homicídio simples ou qualificado da lesão qualificada pelo resultado morte.
Por fim, qual o juízo competente, agora para conhecer do processo? O juízo se dará de acordo com as regras de organização judiciária, sendo indispensável à redistribuição do processo. Poderá ser uma vara criminal, uma vara especializada em acidentes de trânsito, e até mesmo o Juizado especial criminal. O procedimento adotado pelo magistrado ao receber os autos do processo, não vem descrito na lei processual, mas a doutrina entende, que deve ser o mesmo da mutatio libelli (art. 384 do Código de Processo Penal).
Desclassificações no âmbito do Tribunal do Júri: Temos três tipos diferentes de desclassificação no âmbito do Tribunal do Júri: a) iniciado o processo por um juiz, e este descobrir ser incompetente, remeterá a outro juiz o processo (art. 74, § 2º). Por exemplo: o Juiz que julgando, homicídio doloso, descobre que o crime foi culposo, ao desclassificar a infração penal, envia para o juiz competente. Este tipo de desclassificação não difere de outras desclassificações no juízo comum. Ora, se um magistrado está julgando um delito de trânsito, ou mesmo um crime de incêndio doloso, e descobre que na realidade foi um crime doloso contra a vida, enviará os autos ao juiz competente (no caso o Juiz-Presidente do tribunal do Júri); b) se a desclassificação se opera na fase da preparação do julgamento pelo Juiz da pronúncia, desclassificando crime que não é da alçada do júri, este envia os autos para o juiz competente, reabrindo-se o prazo para a defesa e indicação de testemunhas, prosseguindo-se na forma do art. 384 do Código de Processo Penal; c) a desclassificação é feita pelo próprio júri ou jurados: nesta hipótese, temos dois tipos diferentes de desclassificação:
1) desclassificação própria: quando afastada a figura penal, não se decide diante das respostas dos jurados sobre a existência ou não de qualquer outra figura penal, pois o Júri não especifica o nomen juris do tipo penal, alterando a classificação constante na sentença de pronúncia, assumindo o juiz presidente a capacidade decisória, pela manifestação do Conselho de Sentença. Como exemplo sempre citado pela doutrina, temos a desclassificação de tentativa de homicídio pra outro delito cujo nomem juris não é indicado no momento em que os jurados desclassificam a tentativa de homicídio, para outra infração penal. Neste caso, devolve-se ao Juiz Presidente toda a questão referente ao direito e ao fato, uma vez que os jurados não reconheceram a sua competência para julgar o acusado de crime doloso contra a vida. Quando a matéria é transferida para o juiz-presidente, este pode examiná-la e julgá-la como convém, aplicando o princípio do livre convencimento motivado, tendo em vista que o Júri declarou a sua incompetência para julgar o delito. Assim, se o processo tiver um exame pericial, o juiz pode condenar por lesões corporais graves (art. 129 § 1º do CP), por lesão leve (art. 129 do CP), por perigo para vida ou saúde de outrem (art. 132 do CP), ou mesmo absolver o acusado. Se a infração for desclassificada para lesão leve ou culposa, a vítima terá 30 dias para representar nos termos do art 89 da Lei 9099/95. Se o réu for militar, com a desclassificação do crime, seja a desclassificação própria ou imprópria, o processo será enviado à justiça militar. Com a superveniência do julgamento pelo Júri, havendo a desclassificação para lesão corporal e envio dos autos ao juízo competente< resta prejudicada a análise de indigitados vícios na pronúncia. (STJ, 6.ᵃ T., HC 103.878/MG, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j.10/11/2009, DJe 07/12/2009)
2) a desclassificação imprópria, que se opera quando as respostas dos jurados remetem ao juiz presidente a competência para julgar como juiz singular, mas condicionado à definição de um crime fixado pelos jurados, em geral por quesitos da defesa. Por exemplo, os jurados desclassificam o delito doloso para culposo. A competência do Tribunal do Júri encerra-se quando votado quesito que culmine em desclassificação imprópria, devendo o julgamento do feito ser atribuído ao Juiz Presidente. Constatada a desclassificação, a continuidade da votação implica nulidade apenas das respostas dadas pelo Conselho de Sentença para os demais quesitos, não se fazendo necessária a anulação de toda a sessão de julgamento, sob pena de violação do princípio da soberania dos veredictos, já que, em novo julgamento, o Conselho de Sentença poderia, em tese, modificar as respostas conferidas aos quesitos formulados anteriormente à nulidade.
Absolvição dos jurados do crime contra vida e crimes conexos: Se o júri absolve o acusado do crime contra a vida, e em havendo crime conexo, surge na doutrina duas posições: a) cessa a competência do júri para apreciar o crime conexo. Aqui não é hipótese de perpetuatio jurisdicionis, passando a competência para julgar o crime conexo para o juiz presidente; b) a competência é do proprio Tribunal do Júri, por força do artigo 81 do Código de Processo Penal. Esta é a posição do STF, que entende que o júri continua competente para o julgamento das demais questões. HC 93096, Relator (a): Min. CÁRMEN LÚCIA, 1.ª T., julgado em 18/03/2008, DJe-070 DIVULG 17-04-2008 PUBLIC 18-04-2008 EMENT VOL-02315-04 PP-00887)
Desclassificação própria e crimes conexos: Na desclassificação própria, o juiz é livre pra julgar o réu, bem como os crimes conexos porventura existentes, visto que uma vez que operada a desclassificação própria do delito doloso contra a vida pelo Tribunal do Júri, caberá ao Juiz-Presidente o julgamento dos crime e dos delitos conexos, por inteligência dos arts. 492§ 2º e 74§ 3º, segunda parte, do Código de Processo Penal. (HC 75.292/RJ, rel. Ministra LAURITA VAZ, 5.ª T., julgado em 05/06/2008, DJe 30/06/2008) Caso existam crimes conexos que não sejam da competência do júri, cabe ao Juiz presidente também apreciá-lo. Verificada a presença de crimes conexos em relação ao delito doloso contra a vida, o juiz natural da causa - incluindo aí os crimes conexos - será o Tribunal do Júri. Contudo, operada em Plenário a desclassificação própria do delito doloso contra a vida, ao Juiz Presidente competirá julgar tanto o delito desclassificado quanto os demais porventura a ele conexos. (STJ, 5.ᵃ T., HC 62.686/RJ, rel. Min. Felix Fischer. J. 01/03/2007, DJ 09/04/2007)

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

As recentes reformas processuais e as tendências de as intimações dirigidas às partes se tornarem indiretas e fictas

As recentes reformas processuais e as tendências de as intimações dirigidas às partes se tornarem indiretas e fictas BRUNO VASCONCELOS CARRILHO LOPES 1. Introdução O tempo é atualmente um dos principais parâmetros da justiça, “uma obsessão, nas modernas especulações sobre a tutela jurisdicional”.1 A crescente relevância do tempo decorre (I) do progressivo aumento da quantidade de demandas, que sufocam o Poder Judiciário e impedem o rápido desenrolar dos processos, e (II) da alteração qualitativa dos litígios, ao envolverem direitos que dependem de uma rápida decisão para serem adequadamente tutelados.2 Tais transformações motivaram a inserção no art. 5º, inc. LXXXVIII, da Constituição Federal de uma específica garantia de tempestividade da tutela jurisdicional e, paulatinamente, vêm modulando as reformas do Código de Processo Civil. Mas ao interpretar um princípio constitucional não se pode perder de vista a sua inserção em um contexto de convinência com inúmeros outros princípios, que no processo conformam o due process of law. Os princípios inter-relacionam-se, moldam-se reciprocamente, e nessa interação cabe ao intérprete ponderar a importância concreta do princípio e buscar uma solução que, na medida do possível, prestigie cada um deles. 1 . DINAMARCO, A Reforma do Código de Processo Civil, cap. X, n. 103, p. 140. 2 . Cf. BRUNO LOPES, Tutela antecipada sancionatória, n. 3, pp. 21 ss. 2 O foco de análise deste trabalho são as intimações dirigidas à parte. Observa-se nas últimas reformas processuais a tendência de tornar tais intimações indiretas, à medida que realizadas na pessoa do advogado, e fictas, pois se tornou desnecessário comprovar que a pessoa a ser intimada efetivamente recebeu a carta de intimação. Ambas as tendências têm o nítido objetivo de tornar o processo mais rápido e, portanto, prestigiam a tempestividade da tutela jurisdicional. Mas elas promovem a rapidez comprometendo a segurança da informação das partes quanto aos acontecimentos do processo e, nessa medida, restringem a garantia constitucional do contraditório. A análise a ser empreendida busca identificar em que medida esse sacrifício à garantia do contraditório é admissível e, portanto, compatível com a ordem constitucional. 2. Disciplina da citação Apesar de o foco da análise deste trabalho ser a intimação dirigida à parte, é necessário tratar de algumas questões pertinentes à citação, pois as normas e a ratio das construções doutrinárias relacionadas à citação aplicam-se analogicamente à intimação.3 São três as classificações mais importantes na disciplina da citação. A primeira delas tem por critério o modo como a citação é realizada: I) correio, (II) mandado (pessoalmente ou com hora certa) e (III) edital. A segunda classificação toma por critério a segurança de que o réu teve 3 . Cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. III, n. 1.048, p. 435. 3 conhecimento da citação: I) real e (II) ficta. A última distingue as citações com referência à pessoa que as recebe: I) direta e (II) indireta. Citação por correio. Com exceção das situações descritas no art. 222 do Código de Processo Civil, o modo prioritário para se realizar a citação é o encaminhamento de carta por correio ao demandado. Para que a citação seja válida, a carta deverá ser “registrada para entrega ao citando, exigindo-lhe o carteiro, ao fazer a entrega, que assine o recibo” (CPC, art. 223, § único). No caso de o réu ser pessoa jurídica, “será válida a entrega a pessoa com poderes de gerência geral ou de administração” (CPC, art. 223, § único). Ao interpretar as normas pertinentes ao recebimento da carta, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça atenua tais exigências na citação de pessoa jurídica. Para a citação de pessoa física exige-se que o próprio demandado assine o aviso de recebimento, mas em se tratando de pessoa jurídica basta que um empregado o assine, não havendo a necessidade de que ele tenha poderes de representação. Aplica-se a teoria da aparência, sob a consideração de ser muito improvável que o empregado não encaminhe a carta ao representante da empresa.4 Na versão original do Código de Processo Civil o modo prioritário para citar era a citação por mandado. Somente era admissível a citação por correio no caso de o réu ser comerciante ou industrial, domiciliado no Brasil. Dada a maior praticidade e rapidez da citação por correio, sua utilização foi generalizada na lei n. 8.710, de 24 de setembro de 1993. A mudança foi alvo de críticas e aplausos. Pondera MONIZ DE ARAGÃO que o legislador assumiu uma “grave responsabilidade”, pois com o grande número 4 . Cf. NEGRÃO-GOUVÊA, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, pp. 331-332. 4 de analfabetos existentes no país não restou adequadamente resguardada “a situação dos que são incapazes de ler e compreender a importância do ato”.5 Mas CARMONA aplaudiu a modificação, pela rapidez que proporciona ao ato de citação. Propõe sob esse enfoque uma interpretação mais arrojada do que a adotada pelo Superior Tribunal de Justiça quanto ao recebimento da carta. Do mesmo modo que a carta de citação pode ser entregue validamente a qualquer funcionário da empresa que se apresente em seu endereço para recebê-la, na citação de pessoa física seria válida a entrega da carta ao zelador nos edifícios residenciais ou a pessoa que resida com o demandado. Conclui afirmando que “a entrega pessoal da carta citatória e a exigência de recibo devem ser vistos como recomendação ao carteiro e não como condição sine qua non para a validade do ato citatório”.6 Citação pessoal por mandado. Nos casos em que citação postal é inadmissível (CPC, art. 222) e na hipótese de ela restar infrutífera, a citação é feita por mandado, a ser entregue ao demandado pessoalmente por oficial de justiça (CPC, art. 224). Citação por mandado com hora certa. Mas a diligência do oficial de justiça pode restar infrutífera. Se houver suspeita de ocultação intencional da pessoa a ser citada e caso o oficial de justiça tente por três vezes citar o réu no endereço onde ele deveria encontrar-se, o oficial de justiça intimará pessoa próxima ao demandado de que no dia seguinte, em hora determinada, tentará citá-lo mais uma vez. A pessoa intimada ficará com o encargo de passar a informação ao demandado e, se no dia seguinte ele não estiver presente no local e na hora combinada, o mandado será entregue à 5 . Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, n. 253, p. 213. 6 . “A citação e a intimação no Código de Processo Civil: o árduo caminho da modernidade”, p. 73. 5 pessoa intimada, que ficará com o encargo de entregá-lo ao demandado (CPC, arts. 227 e 228). Para que se repute realizada a citação, faz-se necessária ainda a expedição de carta ao demandado informando a realização da citação com hora certa (CPC, art. 229). Citação por edital. Na hipótese de ser “desconhecido ou incerto o réu” ou “quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar”, não é possível realizar a citação pessoalmente, mediante alguma das técnicas supra referidas e, portanto, ela é realizada por publicação de editais (CPC, art. 231). O edital é afixado na sede do juízo e publicado uma vez no órgão oficial e duas vezes em jornal local (CPC, art. 232). Citação direta e indireta. Nem sempre a citação é dirigida pessoalmente ao demandado. A citação pode ser feita “pessoalmente ao réu, ao seu representante legal ou ao procurador legalmente autorizado” (CPC, art. 215). Quando feita na pessoa do demandado, a citação é direta. Caso realizada em pessoa diversa do demandado, legitimada a recebê-la, é indireta. Como bem observa DINAMARCO, “a gravidade do ato e das conseqüências do não-atendimento a ele (revelia, efeito da revelia) impõe que as hipóteses de citação indireta sejam sempre encaradas como extraordinárias no sistema”. É sempre necessário resguardar “a segurança quanto à sua concreta aptidão a propiciar a defesa, sob pena de ineficácia”.7 Dada a excepcionalidade das citações indiretas, é em princípio inadmissível utilizá-las para além dos casos expressamente previstos em lei.8 7 . DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. III, n. 1.030, pp. 405-406. 8 . Uma hipótese legítima de ampliação de sua utilização é a já referida citação feita na pessoa de funcionário da empresa que não ostente poderes de representação, em aplicação da teoria da aparência. A prática legitima-se em face da dificuldade de entregar a carta de citação ou o mandado 6 Citação real e ficta. Qualifica-se como real a citação feita diretamente ao réu, com a segurança de que ele teve ciência de sua ocorrência. É o caso da citação por correio e da citação por mandado realizada na pessoa do réu. É ficta a citação quando não há essa segurança, o que ocorre na citação por mandado com hora certa e na citação por edital. A citação ficta é “extraordinária no sistema do processo civil”9 e somente “tem cabimento quando a outra for impossível, salvo algumas hipóteses, que o legislador excepciona”.10 O enquadramento das diversas modalidades de citação nas categorias direta - indireta e real – ficta e a identificação das situações em que se admitem as citações indiretas e fictas revela a preocupação do sistema processual com a citação. Sua regularidade é elemento fundamental para a válida constituição da relação jurídica processual11 e, para ser regular, na medida do praticamente possível ela deve cumprir os escopos de “informar o réu de que foi proposta uma demanda em face dele, informá-lo do conteúdo desta e informá-lo também de que ele tem o ônus de oferecer defesa em tempo oportuno, sob pena de revelia”.12 Trata-se de dar efetividade à garantia constitucional do contraditório, tema que será abordado em detalhes adiante. diretamente às pessoas que detenham poderes de representação e de averiguar quem tem esses poderes. Caso a informação acerca da existência da demanda não chegue ao órgão competente, essa deficiência interna deve ser debitada aos riscos do negócio e à culpa in eligendo da empresa (DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. III, n. 1.031, pp. 407-409). 9 . DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. III, n. 1.032, p. 411. 10. MONIZ DE ARAGÃO, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, n. 212, p. 183. 11. Cf. ATHOS CARNEIRO, “Citação de réus já falecidos. Nulidade insanável do processo adjudicatório. Caso ‘Barra da Tijuca’”, pp. 203-215; MONIZ DE ARAGÃO, “Citação por edital de pessoas já falecidas – extinção do processo sem julgamento, por falta de pressuposto necessário à sua constituição”, pp. 119-124. 12. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. III, n. 1.032, p. 410. 7 3. Disciplina da intimação dirigida à parte Conforme definição legal, “intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa” (CPC, art. 234). Para a identificação do destinatário da intimação, distingue-se quem deve ser intimado, se a parte pessoalmente ou seu advogado, com referência à pessoa a quem cabe desempenhar o ônus ou dever veiculado com a intimação. Para a prática de atos postulatórios, a intimação deve ser dirigida ao advogado, mas quando se tratar da prática de um ato pessoal da parte, ela deve ser intimada pessoalmente.13 Nessa linha, deve a parte ser intimada pessoalmente para o cumprimento de obrigação de fazer ou não-fazer, para se submeter a perícia médica, para prestar depoimento pessoal, dentre outras situações em que se exige que ela faça pessoalmente alguma coisa. Essa distinção é clara no sistema do Código de Processo Civil, pois há a previsão de técnicas para intimar o advogado (CPC, art. 237) ou a parte pessoalmente (CPC, art. 238). Caso não se exigisse a intimação pessoal da parte nas hipóteses em que ela deve atender pessoalmente o comando veiculado com a intimação, não haveria sentido na previsão de uma técnica específica para a intimação pessoal. Trata-se, ademais, de aplicar às intimações a mesma lógica aplicável às citações no que pertine ao destinatário. As intimações indiretas, realizadas em pessoa distinta daquela a quem o 13. Cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. III, n. 1.044, pp. 430-431; MONIZ DE ARAGÃO, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, n. 315, p. 264. 8 comando judicial se dirige, são excepcionais no sistema, e somente podem ser admitidas quando previstas em lei. Como já referido, o Código de Processo Civil não traz uma disciplina sistemática do modo como deve ser realizada a intimação dirigida à parte e, por esse motivo, aplicam-se subsidiariamente as regras previstas para a citação. Nesse contexto, a partir da interpretação de normas esparsas do Código (arts. 39, par., 237, incs. II e III, 412, 883), pondera DINAMARCO ser “lícito entender que sempre as cartas expedidas para intimar alguém sejam registradas e acompanhadas do recibo de volta e que, ao entregá-las, o carteiro tem o dever de colher a assinatura de quem as recebe. Esses cuidados, que são até corriqueiros, concorrem para a segurança quanto à entrega e sua data, sem o que não seria lícito contar prazos, fiscalizar sua observância ou impor conseqüências pelo não–atendimento à intimação”.14 Construiu-se, desse modo, em atenção aos mesmos princípios que regem a citação, um modo de intimar a parte que privilegia a intimação real. Somente nas situações em que a intimação real revela-se inviável é que se pode lançar mão de algum instrumento de intimação ficta. Mas esse panorama foi posto em xeque pelas recentes leis que modificaram o Código de Processo Civil, ao priorizarem um modo ficto de intimação e generalizarem as intimações indiretas. 4. Generalização das intimações indiretas 14. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. III, n. 1.051, pp. 438-439. 9 Para tornar o processo mais rápido, as reformas do Código de Processo Civil vêm generalizando as hipóteses em que se admite a intimação da parte na pessoa de seu advogado, mesmo nas situações em que o comando veiculado com a intimação seja dirigido à parte. Nessa linha, ao tratar da fase de liquidação da sentença o art. 475-A, § 1º dispõe que “do requerimento de liquidação de sentença será a parte intimada, na pessoa de seu advogado” (red. da lei 11.232, 22.12.05). Na execução, admite-se que a intimação da penhora seja feita na pessoa do advogado (art. 475-J, § 1º, na red. da lei 11.232, de 22.12.05 e art. 652, § 4º, na red. da a lei 11.382, de 6.12.06), o que vale igualmente para a intimação acerca do dia, hora e local da alienação judicial (art. 687, § 5º, na red. da a lei 11.382, de 6.12.06). Para além das situações em que a lei expressamente admite a intimação indireta, a tendência de ampliar sua utilização vem seduzindo a doutrina. O art. 475-J do Código de Processo Civil, introduzido com a lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005, trata do início da fase de execução da sentença e da intimação do devedor para o pagamento de quantia certa em dez dias, sob pena de multa. Pagar é evidentemente um ato a ser praticado pessoalmente pela parte, não pelo advogado, e não há disposição específica autorizando que essa intimação seja realizada na pessoa do advogado. No entanto, as grandes divergências quanto à interpretação da norma dizem respeito ao termo a quo do prazo para pagamento em dez dias, pois há praticamente um consenso quanto à admissibilidade de a intimação ser dirigida ao advogado. Nesse sentido, defende-se que o prazo flui (I) automaticamente a partir do momento em que a sentença se torna exeqüível,15 (II) automaticamente 15. Cf. ATHOS CARNEIRO, Cumprimento da sentença civil, n. 17, pp. 53-54; BONDIOLI, O novo CPC – a terceira etapa da reforma, n. 21, pp. 88-89. 10 a partir do trânsito em julgado,16 (III) da intimação do advogado acerca da decisão que determinar o cumprimento do acórdão17 ou (IV) da intimação do advogado acerca da memória de cálculo apresentada pelo credor.18 Mas há quem defenda a necessidade de intimação pessoal da parte para o cumprimento da obrigação, justamente em razão de se tratar de um ato a ser praticado pela parte e inexistir autorização expressa para que a intimação seja realizada na pessoa do advogado.19 Ao justificar a possibilidade de a intimação ser realizada na pessoa do advogado, mesmo na ausência de autorização legal, a doutrina aponta para a necessidade de tornar mais rápida a execução da sentença. Caso houvesse a necessidade de intimação da parte, a reforma da execução da sentença e a sua transformação em uma fase do processo de conhecimento contribuiriam com muito pouco para acelerar a satisfação do crédito. Nesse sentido a manifestação de ATHOS CARNEIRO: “não assiste razão, seja-nos permitido reiterar, àqueles que sustentam que o prazo de quinze dias para o pagamento – e para a incidência da multa no caso de não-pagamento, deva transcorrer somente após pessoalmente intimado o réu da ordem contida na sentença condenatória. No plano teórico, a intimação da sentença condenatória ao advogado do réu é o que basta a que o réu seja considerado como plenamente ciente da ‘ordem’ de pagamento. No plano pragmático, a exigência 16. Cf. THEODORO JR., As novas reformas do Código de Processo Civil, pp. 143-144. 17. Cf. SCARPINELLA BUENO, A nova etapa da reforma do Código de Processo Civil, vol. I, pp. 72-74. 18. Cf. TJSP, 28ª Câm. D. Priv., Ag. n. 1081610, rel. Des. NEVES AMORIM, v.u., j. 12.12.06. 19. Cf. WAMBIER – TERESA WAMBIER – MEDINA, “Sobre a necessidade de intimação pessoal do réu para o cumprimento da sentença, no caso do artigo 475-J do CPC (inserido pela lei n. 11.232/2005)”, pp. 71-76. 11 representará uma ‘ressurreição’, sob outra roupagem, dos formalismos, demoras e percalços que a nova sistemática quis eliminar do mundo processual”.20 No entanto, se o referido posicionamento estiver correto e, em nome da rapidez na prestação da tutela jurisdicional, for possível dirigir validamente ao advogado a intimação para o cumprimento da sentença, a mesma regra deve valer para todas as intimações. Se nessa situação a necessidade de prestar tempestivamente a tutela jurisdicional autoriza a intimação da parte na pessoa do advogado, por que nas demais situações em que se dirige um comando pessoalmente à parte não seria possível a intimação indireta? Partindo-se dessa premissa, invertem-se os termos da regra que permeia a distinção entre intimações diretas e indiretas - estas se tornam a regra e somente nas situações em que a lei expressamente exigir realiza-se a intimação pessoal da parte. 5. Utilização em caráter prioritário de um modo de intimação ficto Também com o objetivo de acelerar o andamento do processo, as recentes modificações do Código priorizaram a intimação ficta em detrimento da intimação real. Em realidade, o movimento teve início com a lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, que trata dos juizados especiais. Ao disciplinar a citação, a lei institui a citação por correspondência como o meio prioritário para realizá-la e exige que a carta seja acompanhada de aviso de recebimento. Em se tratando de pessoa física, a citação só é válida se ela própria assinar o 20. Cumprimento da sentença civil, n. 17, pp. 53-54. 12 aviso de recebimento (art. 18, inc. I), no caso de pessoa jurídica basta a entrega da carta ao encarregado da recepção (art. 18, inc. II). Ao disciplinar as intimações, dispõe o art. 19 que elas “serão feitas na forma prevista para citação, ou por qualquer outro meio idôneo de comunicação”, mas o § 2º traz uma regra específica: “as partes comunicarão ao juízo as mudanças de endereço ocorridas no curso do processo, reputando-se eficazes as intimações enviadas ao local anteriormente indicado, na ausência da comunicação”. A norma impõe às partes o ônus de informar nos autos seus endereços e mantê-los sempre atualizados. Caso a parte mude sua residência ou sua sede para outro endereço e não informe nos autos essa mudança, bastará encaminar a carta de intimação ao endereço antigo para que se repute realizada a intimação, sem importar se ela foi entregue ao seu destinatário. Nesse contexto, torna-se despiciendo o retorno do aviso de recebimento assinado pelo destinatário; basta um comprovante de que a carta foi entregue no endereço indicado, pois essa entrega é suficiente para a validade da intimação. É facilmente perceptível dessa disciplina que a lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, promoveu no sistema dos juizados especiais uma ruptura com a regra da excepcionalidade e subsidiariedade das intimações fictas, pois não é tentada uma intimação com segurança para, somente na hipótese de não ser possível realizá-la, lançar-se mão de algum instrumento de intimação ficta. Essa regra foi repetida e ampliada ulteriormente com a lei n. 10.303, de 31 de outubro de 2001, que alterou o art. 149 da Lei das Sociedades Anônimas. Consta do caput do art. 149 que “os conselheiros e 13 diretores serão investidos nos seus cargos mediante assinatura de termo de posse no livro de atas do conselho de administração ou da diretoria, conforme o caso”. Adiante, o § 2º dispõe que “o termo de posse deverá conter, sob pena de nulidade, a indicação de pelo menos um domicílio no qual o administrador receberá citações e intimações em processos administrativos e judiciais relativos a atos de sua gestão, as quais reputar-se-ão cumpridas mediante entrega no domicílio indicado, o qual somente poderá ser alterado mediante comunicação por escrito à companhia”. O dispositivo faz menção a um endereço indicado à companhia, extrajudicialmente, considerando-se válida a citação ou a intimação dirigida aos conselheiros e diretores nesse endereço, ainda que eles não mais residam no local. Dada a subversão que a norma trouxe na disciplina da citação e da intimação, priorizando, em detrimento da garantia constitucional do contraditório, um instrumento de citação e intimação ficto, a doutrina que se debruçou sobre o tema afirmou sua inconstitucionalidade.21 Mas a grande modificação no sistema, dada a sua generalidade, foi a introduzida no § único do art. 238 do Código de Processo Civil pela lei n. 11.382, de 6 de dezembro de 2006. O caput do dispositivo não foi alterado: “não dispondo a lei de outro modo, as intimações serão feitas às partes, aos seus representantes legais e aos advogados pelo correio ou, se presentes em cartório, diretamente pelo escrivão ou chefe de secretaria”. O novo § único complementa: “presumem-se válidas as comunicações e intimações dirigidas ao endereço residencial ou profissional declinado na inicial, contestação ou embargos, cumprindo às partes atualizar o respectivo endereço sempre que houver modificação temporária ou definitiva”. A norma 21. Cf. CARVALHOSA-EIZIRIK, A nova Lei das S/A, pp. 319-321. 14 não vai tão longe quanto a Lei das Sociedades Anônimas, pois trata exclusivamente das intimações, e insere no sistema do Código de Processo Civil a mesma regra já prevista para o sistema dos juizados. A novidade foi aplaudida por THEODORO JR., pois evita que a parte a ser intimada furte-se a receber a intimação e, com isso, procrastine o andamento do processo. Observa sobre a sua interpretação que “não há mais necessidade, portanto, de contar com o retorno do aviso de recepção assinado pelo destinatário”, “basta o comprovante de que ocorreu a entrega da carta no endereço fornecido pela parte nos autos”. E conclui: “para contornar as dificuldades derivadas de mudança de endereço, no curso do processo, a lei impõe aos litigantes o ônus de manter atualizado o informe a seu respeito, sob pena de presumir-se realizada a intimação pelo simples fato de a correspondência ter sido endereçada segundo o dado constante do processo. Se a carta não chegar às mãos da parte, por mudança de endereço não participada em juízo, mesmo assim o ato intimatório será havido como consumado. O desencontro será debitado à sua própria desídia”.22 Traçados os princípios pertinentes às intimações dirigidas à parte e delineadas as tendências da lei e da doutrina de prestigiar, em nome da aceleração do processo, as intimações fictas e indiretas, é necessário avaliar se tais tendências são compatíveis com a garantia constitucional do contraditório. 6. Garantia constitucional do contraditório Em reconstrução histórica do princípio do contraditório, PICARDI aponta que no direito comum seu status era o de um princípio de 22. A reforma da execução do título extrajudicial – lei n. 11.382, de 6 de dezembro de 2006, pp. 8-9. 15 direito natural - relacionavam-no à natureza das coisas e era apontado como imanente ao processo. Com a emergência do “espírito positivista”, o princípio perdeu prestígio. Foi apontado como um aspecto secundário do processo, que poderia inclusive atrapalhar o escopo de produzir uma decisão justa. Mas após a Segunda Guerra, o prestígio do contraditório foi revigorado, passando novamente a integrar o momento central da experiência processual.23 Atualmente é inegável a relevância técnica e política do contraditório no processo,24 o que confere prestígio à idéia de processo como procedimento em contraditório.25 A observância do princípio é fundamental à legitimação do atos de poder, para a qual não basta “a mera e formal observância dos procedimentos”,26 e consiste no melhor método para julgar a causa com justiça.27 Na técnica processual, o princípio do contraditório é tradicionalmente decomposto no binômio informação-reação. As partes devem ser informadas de todos os termos e atos do processo e deve lhes ser franqueada a possibilidade de contrariá-los.28 Modernamente a doutrina vem ampliando o espectro do princípio, exigindo uma maior participação do juiz no 23. “Il principio del contraddittorio”, pp. 673-679. 24. Cf. COMOGLIO-FERRI-TARUFFO, Lezioni sul processo civile, p. 68. 25. Cf. FAZZALARI, Istituzioni di diritto processuale, pp. 82 ss. 26. DINAMARCO, Fundamentos do processo civil moderno, t. I, n. 44, p. 125. 27. Ao decidir uma causa, “cio che deve farei il giudice è una scelta. Basta l’affermazione di una parte a metterlo di fronte a um bivio: ragione o torto. Per una buona scelta ocorre che siano esplorate, fino a dove è possibile, ambo le strade. Ma ciascuna parte ha interesse a esplorarne una sola; quella che conduce al suo sucesso. Ecco perchè solo l’attività di entrambe costituisce quella collaborazione, della quale il giudice ha bisogno. Ocorre che una selce batta contro l’altra affinchè ne sprizzi la scintilla della verità” (CARNELUTTI, Diritto e processo, n. 59, p. 100). 28. Cf. BEDAQUE, “Os elementos objetivos da demanda à luz do contraditório”, n. 1.2.1, p. 20; DINAMARCO, Fundamentos do processo civil moderno, t. I, n. 46, pp. 127-128; NERY JR., Princípios do processo civil na Constituição Federal, n. 21, p. 137. 16 desenvolvimento da relação processual29 e condicionando a legitimidade dos provimentos jurisdicionais à efetiva participação das partes em sua formação.30 Nessa linha, defende-se a imposssibilidade de o juiz fundamentar sua decisão em pontos que não foram objeto de discussão pelas partes.31 Mas para a análise a ser empreendida neste trabalho basta nos atermos à concepção tradicional do contraditório, mais especificamente ao momento da informação das partes acerca dos termos e atos do processo. A informação é elemento que participa sem exceção de todas as definições do princípio.32 É o primeiro momento do contraditório, um elemento mínimo sem o qual ele não se realiza. Para tornar efetiva a informação, a técnica do processo estabelece instrumentos para as partes serem comunicadas da existência do processo (citação) e de todos os demais termos e atos (intimação). Mas a garantia não se restringe à comunicação. A garantia integra a necessidade de a informação ser prestada de forma idônea. O contraditório baliza a validade dos atos de comunicação processual33 e não se pode reputar válida a comunicação que não seja apta a transmitir a informação. 7. À guisa de conclusão 29. Cf. BEDAQUE, “Os elementos objetivos da demanda à luz do contraditório”, n. 1.2.1, p. 22. 30. Cf. ALVARO DE OLIVEIRA, “Garantia do contraditório”, p. 144. 31. Cf. ALVARO DE OLIVEIRA, “Garantia do contraditório”, pp. 132-148; BEDAQUE, “Os elementos objetivos da demanda à luz do contraditório”, n. 1.6, pp. 38-42; COMOGLIO-FERRI-TARUFFO, Lezioni sul processo civile, pp. 73-75; MONTESANO, “La garanzia costituzionale del contraddittorio e i giudizi civili di ‘terza via’”, pp. 929 ss. Em sentido contrário, cf. RICCI, “Princípio do contraditório e questões que o juiz pode propor de ofício”, pp. 495-499. 32. Cf. BRAGHITTONI, O princípio do contraditório no processo, pp. 11 e 159. 33. Cf. NASI, “Contraddittorio”, pp. 720-721. 17 Analisemos em conjunto as duas tendências delineadas anteriormente. A primeira traz a regra de as intimações pertinentes a atos que devam ser realizados pessoalmente pela parte poderem ser realizadas na pessoa do advogado. Somente se intima a parte pessoalmente na hipótese de a lei trazer expressamente essa exigência. Para essas situações em que a lei exige a intimação pessoal da parte, basta para intimá-la encaminhar uma carta ao endereço constante dos autos, sendo irrelevante o efetivo recebimento pelo destinatário. Há somente duas situações em que a lei exige expressamente a intimação pessoal da parte. A primeira delas é a prevista no art. 267, § 1º do Código de Processo Civil. Dispõe o art. 267 que o processo deverá ser extinto sem resolução de mérito “quando ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes” (inc. II) ou “quando, por não promover os atos e diligências que lhe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias” (inc. III). Antes de o processo ser extinto, para evitar que a parte seja prejudicada em decorrência da negligência de seu advogado, reza o § 1º que “o juiz ordenará, nos casos dos ns. II e III, o arquivamento dos autos, declarando a extinção do processo, se a parte, intimada pessoalmente, não suprir a falta em 48 (quarenta e oito) horas”. Nessa situação, o processo foi abandonado pelo advogado da parte destinatária da intimação. Caso haja alguma mudança no endereço em que recebe sua correspondência e a parte aja diligentemente e informe seu advogado, com o abandono do processo muito provavelmente essa mudança de endereço não será informada nos autos. Nessas circunstâncias, lançar mão de 18 uma técnica de intimação que não garante segurança alguma quanto ao seu recebimento é totalmente inadequado. A outra situação em que se exige a intimação pessoal é a prevista no art. 343, § 1º do Código de Processo Civil, que traz expressa a necessidade de intimação pessoal da parte para prestar depoimento pessoal em audiência, a qual deverá comparecer sob pena de a causa ser julgada tal “como se a parte tivesse comparecido e confessado os fatos alegados por seu adversário”.34 Parece claro que, dada gravidade das conseqüências do não comparecimento da parte, revela-se desarrazoado utilizar em caráter prioritário técnica de intimação ficta para comunicá-la da audiência. Interpretadas em conjunto as duas tendências, o sistema produz resultados insatisfatórios, pois nas únicas duas situações em que a intimação pessoal da parte seria necessária, intimá-la pela técnica do art. 238, § único do Código de Processo Civil será inadequado. Essa conclusão aponta para a necessidade de redefinição das premissas, adequando-as à garantia do contraditório. No que pertinte à intimação na pessoa do advogado para a prática de atos pela parte, sua admissibilidade deve ficar restrita às hipóteses em que a lei expressamente a admite. Nessas situações fica claro para a parte e para seu advogado que a intimação será indireta, evitando-se com isso a criação de uma armadilha. 34. ARAÚJO CINTRA, Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, n. 36, p. 50. 19 Nas demais situações, em que a lei não prevê expressamente a possibilidade de a intimação ser realizada na pessoa do advogado, não é possível realizá-la indiretamente. Inserem-se nesse contexto as intimações em que o não atendimento traz as conseqüências mais graves. É o caso da intimação para o cumprimento de obrigação de fazer ou de não-fazer, que tem por conseqüência a incidência de multa diária (CPC, art. 461), da intimação para o pagamento de condenação por quantia certa imposta em sentença, pois se não houver o pagamento em dez dias incide multa de dez por cento do valor do crédito (CPC, art. 475-J) e da intimação da parte para se submeter a perícia médica, visto que o não comparecimento “supre a prova que se pretendia obter com o exame” (CC, art. 232). No que pertine ao art. 238, § único do Código de Processo Civil, a norma deve ser intepretada cum grano salis para escapar da inconstitucionalidade. Regra semelhante foi reputada inconstitucional pela Corte Constitucional italiana (sentenza 23 settembre 1998, n. 346). Tal como no Brasil, na Itália as intimações dirigidas às partes são em regra encaminhadas por correio. De acordo com a disciplina prevista no art. 8º da legge 20 novembre 1982, n. 890, em caso de ausência ou recusa do destinatário, o carteiro deverá deixar um aviso a respeito do ocorrido afixado na porta de entrada do local ou na caixa de correspondência e entregar a carta de intimação ao correio, juntamente com o aviso de recebimento, o qual deverá ser assinado pelo carteiro com a descrição de todo o ocorrido. Passados dez dias da entrega da carta de intimação ao correio, na hipótese de não ser retirada pelo destinatário, ela deve ser encaminhada aos autos e a intimação é dada por 20 realizada depois de transcorridos dez dias. Considerou a Corte Constitucional italiana que a norma é inconstitucional por ofender as garantias do contraditório e da defesa, já que não é garantida a efetiva ciência acerca do teor da intimação. Destacou-se na decisão a exigüidade do prazo de dez dias, dada a não rara possibilidade de a pessoa a ser intimada ficar ausente de sua residência por prazo superior, e o procedimento foi comparado com a citação por mandado, em que, realizado procedimento análogo, a intimação apenas se torna perfeita após a expedição de carta com aviso de recebimento informando o ocorrido, desde que o aviso seja assinado pelo destinatário. Para salvar o art. 238, § único, da inconstitucionalidade é necessário identificar seus problemas e procurar uma alternativa que os contorne. O primeiro problema refere-se ao ônus da parte de informar o novo endereço no processo. Para uma pessoa que tenha poucos processos, é simples desempenhar eficazmente esse ônus. No entanto, para grandes empresas que figuram como parte em milhares de processos, é plenamente plausível que, apesar de agirem com diligência, uma mudança de sede não seja informada em alguns processos. Nesses casos, por que utilizar de imediato um instrumento ficto de intimação se em uma breve consulta à internet é provável que se descubra o novo endereço? Mas o principal problema pertine ao ônus que a norma impõe de a parte ficar à disposição do processo durante todo o seu transcurso. Como é desnecessária a certificação de que o destinatário da intimação efetivamente a recebeu, por mais que o endereço constante dos autos esteja correto é plenamente possível que a parte esteja viajando em férias ou a trabalho e, de boa-fé, não tome conhecimento da intimação que lhe foi dirigida. 21 Tal problema já fora identificado no trato das intimações eletrônicas, que por sua essência geram uma ciência presumida. Pondera-se a esse respeito que, “entre as intimações, somente se pode pensar em fazê-las de modo presumido àqueles que tenham o dever de acompanhar o modo pelo qual tais intimações serão efetuadas e de não se ausentar durante os momentos em que podem ser feitas. Não se pode obrigar que a parte só tenha compromissos pessoais ou profissionais, ou sais em viagens, durante as férias forenses”.35 Uma interpretação possível para o dispositivo, que contribui para a rapidez do processo e não compromete de modo irremediável a garantia do contraditório, é admitir como válida a intimação dirigida ao endereço informado no processo, desde que alguém, algum funcionário da empresa, o porteiro do edifício residencial ou alguém que resida junto com o destinatário da intimação, receba a carta e assine o aviso de recebimento. Como visto, a jurisprudência já admitia essa solução para as pessoas jurídicas e a novidade legislativa teria o mérito de estender a aplicação da regra também às pessoas físicas. Adotada essa precaução, muito dificilmente a informação não chegará ao destinatário da intimação. Proporciona-se rapidez e a segurança na realização das intimações é resguardada. Excepcionalmente, caso a informação não chegue ao destinatário da intimação, caberá a ele provar que não a recebeu e a presunção será afastada. No entanto, ao contrário do que transparece de uma interpretação literal da norma, encaminhada a carta ao endereço constante dos autos, caso o aviso de recebimento retorne com a informação de que o destinatário não mais reside no endereço informado, cabe à parte adversa 35. MARCACINI, “Intimações judiciais por via eletrônica: riscos e alternativas”, pp. 481-482. 22 diligenciar para descobrir o novo endereço e, desconhecido o paradeiro da pessoa a ser intimada, o problema deverá ser contornado utilizando-se a intimação por edital. 23 Bibliografia ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. “Garantia do contraditório”, in José Rogério Cruz e Tucci (org.), Garantias constitucionais do processo civil, São Paulo, RT, 1999, pp. 132-150. ARAÚJO CINTRA, Antônio Carlos de. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. IV, Rio de Janeiro, Forense, 2003. 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